Carlos Lyra: Potes Aos Potes (Se Non

J. Manuel:
(canta)Foi acidente toa
Que aconteceu no outro dia
Quando vindo de Lisboa
Eu aportava a Bahia

Vinha chegando cansado
De uma pequena viagem
A Londres, Paris, Belgrado
Viagem de cabotagem

J. Manuel:
(falando)Viajava, lado a lado com meu vapor.
uma chata enorme carregada de potes.
Lotes de potes. Ah. Ah! De repente, j com a costa vista, armou-se uma tempestade de rachar o mundo! Nisso, uma onda gigantesca se levantou e jogou nosso barco contra o outro.

D. Maria:Que horror, senhor Jos Manuel!

Comadre:Essa história um horror mesmo, Dona Maria. A senhora vai ver.

J. Manuel:
(canta)Mas o pior foi depois
Vi o negócio bem feio
Os barcos, ambos os dois
Se arrebentaram no meio
Nosso vapor joga ao mar
Gente berrando, aos magotes
E a barcaa ao afundar
A carga toda de potes

J. Manuel:
(falando)O mar ficou completamente coalhado de potes. Os marinheiros e passageiros, em meio aos potes, tentavam se segurar em caixotes, em tbuas de camarotes. E at duas senhoras de redingotes, com bons decotes, em meio aos potes, treparam nos cangotes de dois sacerdotes. Porm, lamento diz-lo (se benze), o nico que se salvou fui eu. E como?

Comadre:E como senhor Jos Manuel?

D. Maria:Espera, comadre, que a senhora j vai ver e como?

J. Manuel:Se eu no morri no instante
Em que se deu a batida
porque tenho bastante
Experincia de vida
Eu j estava me afogando
Mas me salvei por um triz
De repente me agarrando
Em...uma idia feliz

Em uma idia feliz!

Do pedao do navio que afundava saltei para cima do pote que tava mais perto. Com meu peso, o pote encheu-se d'gua e desapareceu sob meus ps. Antes, porm, que isso acontecesse, eu j tinha pulado para um segundo pote. Esse outro pote tambm afundou com meu peso, mas eu saltei para um terceiro artes que o segundo afundasse. E assim, com calma e determinao, fui saltando de pote em pote at chegar costa.

Comadre:Ah! Igualzinho ao Cristo, Dona Maria!

D. Maria:Por sobre as guas comadre!

J. Manuel:
(canta)E foi a p, no a nado
Que me safei dessa fria
Só cheguei meio molhado
Porque ainda chovia

Eu no sou papa de peixe
L do fundo do oceano
E vivo modstia parte
Porque eu sou bom baiano.
Porque eu sou bom baiano!
Sou soteropolitano!